domingo, 19 de outubro de 2008

Família que dribla

Eu não estou conseguindo agora colocar Linha de Passe numa ordem de preferência dos filmes do Walter Salles porque precisaria rever Abril Despedaçado e Diários de Motocicleta. Uma coisa é certa, Central do Brasil continua sendo meu preferido. Linha de Passe é um filme de ritmo lento pois o momento da cena é mais importante do que a narrativa da história. Isto pode explicar os sussuros de insatisfação das pessoas no fim da sessão por causa do seu final "sem final" como em Onde Os Fracos Não Têm Vez. É verdade que em Linha é como se o clímax fosse interrompido, a gente espera por algo que sabemos que vai acontecer mas os créditos finais sobem. Eu não tenho esta necessidade visual então achei o mais recente trabalho do Walter e sua amiga de longa data Daniela Thomas uma verdadeira jóia. É a trajetória de cinco personagens, uma mãe e seus quatro filhos, em busca de uma identidade. Uma curiosidade é que o Vinícius de Oliveira é o único dos cinco que já atuou em cinema antes. Sandra Corveloni, a mãe, foi a melhor atriz em Cannes. Acho que o júri a elegeu em virtude do seu personagem pois a sua atuação me pareceu um pouco limitada.

Para tratar de cinco pessoas com suas histórias distintas, é necessário um roteiro perfeitamente escrito que equilibre bem os dilemas de todos os personagens. Neste quesito, Linha é impecável. Bráulio Mantovani colaborou com o roteiro em sua finalização. O título Linha de Passe é referência a uma jogada do futebol e é pedir demais para que eu saiba do que se trata. Só sei que futebol é a paixão da Cleuza (Sandra) e do Dario (Vinícius). Inclusive, o esporte é a única carreira que ele se acha capaz de seguir. Dênis é um motoboy com tendências marginais, Dinho encontrou Jesus e Reginaldo, o caçula, está à procura do seu pai. A família agora está completa. Engano meu. Faltou o quinto filho que ainda está na barriga de Cleuza. Eu me identifiquei com todos eles, pude compreender suas vidas sofridas devido à falta de dinheiro e de uma identidade, como disse antes. É bacana como o filme não faz parecer que a falta de um pai abala a estrutura familiar. Mesmo quando a Cleuza pergunta se nenhum homem da casa é capaz de desentupir a pia da cozinha, ela não está reclamando da ausência de um marido. Quando o Dênis decide praticar furtos, não é por ser apenas uma forma de arrumar dinheiro fácil. É uma atitude ingênua de um ser humano à beira do desespero. A sua consciência da realidade ainda está presente. E se o roubo não dá certo, a sua complexidade vem à tona. Foi uma das minhas cenas preferidas quando ele meio que sequestra um carro e pede para o motorista levá-lo para longe. Neste momento, o Dênis não quer dinheiro. Já o Dinho foi buscar Jesus para atenuar sua realidade. Eu sempre questionei a sua fé, não por achar que fosse falsa mas por ele, inconscientemente, não saber o que ela representa. Um dos seus grandes momentos é quando comente um ato de violência sem necessidade. E quem disse que é possível condená-lo? O pequeno Reginaldo é uma espécie de pestinha. Algumas malcriações podem ter sido gratuitas mas não foi nada que atrapalhasse a nossa compreensão da obsessão do garoto em encontrar o pai. A história do Dario me causou menos impacto talvez por ele ser bem introvertido. Mas é comovente sua insistência em se tornar jogador após tantos fracassos. E mais uma vez como é possível condená-lo por falsificar sua data de nascimento?

Linha de Passe é um daqueles casos onde os atores do elenco se completam. Tem como destacar só um de Pequena Miss Sunshine? É claro que não. Em 2006, o prêmio de melhor atriz em Cannes foi para todo o elenco de Volver já que seria injusto premiar só uma. Pois em Linha também acho injusto só destacar a Sandra. O que importa mesmo é que Walter e Daniela entregaram mais uma vez um excelente trabalho de direção e fico com uma sensação de tarefa cumprida pois queria muito assistir Linha de Passe.

Nota: *****

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