quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Nem tão cegos assim

Texto com vários detalhes da história.

Como eu queria acreditar que as críticas negativas a Ensaio Sobre A Cegueira eram injustas. Queria até ser um pouco ufanista agora mas não tem como. Cegueira é decepcionante. Eu corri para ler o livro antes do filme e tenho que concordar quando dizem que adaptá-lo é uma tarefa quase impossível. Eu quis acreditar que o Meirelles tinha feito um trabalho excepcional principalmente por causa do famoso vídeo com o Saramago chorando. O filme peca pela ausência da profundidade que o livro alcança. A percepção de uma pessoa que não leu o romance vai ser diferente da minha naturalmente. Acho que quem estiver afim de um pretexto para comer pipoca, vai aproveitar o filme. A sessão aqui lotou em plena segunda-feira e ouvi gente dizendo que o filme é muito forte. Isso vai depender do puritanismo de cada um, não é? Devem ter ficado chocados com as cenas de nudez e estupros. Aliás, o Meirelles aliviou demais neste quesito porque não tem a mesma repugnância do livro. Tal momento foi o mais chocante da minha leitura. Ele decidiu pegar leve porque nas primeiras exibições de teste para o público especializado, as pessoas iam embora durante estas cenas. Eu acredito que o problema não estava nestas cenas exatamente mas em todas as coisas que ocorreram até aquele momento do filme, o que deixou os estupros com cara de decisão aleatória. Vamos colocar só para criar polêmica, por exemplo. Sabe quando você sente que vai ter problemas após assistir somente os dois primeiros minutos? Cegueira me deu está impressão. A partir daí, eu já comecei a lamentar. Não gostei de como o primeiro cego ficou cego. Foi tudo com muita frieza. Por que não mostrar o rapaz por breves segundos antes de tirar a visão dele? Eu não senti o impacto à medida que os personagens principais iam cegando. Achei esta parte inicial bem apressada.

Pode-se dizer que o roteiro é muito fiel ao livro com certas passagens sendo puladas. Aceitar a fidelidade ao material original vai de cada um mas o roteiro do Don McKellar (também atuando como o ladrão do carro) poderia ser mais ousado. Sobrou para o Fernando Meirelles encontrar os meios de filmar uma história em que todos estão cegos. Acima de tudo, o diretor merece o reconhecimento pela tentativa. Sim, ele falhou em vários pontos. Em alguns diálogos, os atores não pareciam cegos. O Mark Rufallo (médico) é o campeão nesta questão. Já a quantidade de telas brancas está bem dosada. Um cineasta inexperiente poderia rechear o filme com vários minutos de imagens brancas para representar a visão dos personagens. Eu confesso que tinha este medo. Felizmente, o uso delas não acabou atrapalhando. Outro ponto problemático foi não saber impôr ao público o real significado de uma cena. Por exemplo, a maioria das pessoas riu quando o garotinho estrábico se esbarra numa mesinha. Pimenta nos olhos dos outros é refresco. Eu não ri apesar de ter ficado em dúvida se realmente ela foi colocada de forma cômica. Mas houveram outras que definitivamente eram sérias e provocaram risos. Eu até me perguntei como estas pessoas eram capazes de rir da desgraça alheia. No entanto, quando a situação é recorrente nem tem como culpar tanto o público. O momento em que o médico pede para que todos a favor na votação levantem a mão é realmente engraçada, é também assim no livro.

A mulher do médico (Julianne Moore) deveria ser o personagem mais marcante devido a sua importância mas quem causou mais impacto mesmo foi o Gael García Bernal. Apesar da sua participação pequena, ele consegue se destacar ao ponto de apagar os outros atores em cena. Acho que nem é questão de talento, os outros personagens é que estão apagados. A rapariga dos óculos escuros (Alice Braga), o velho da venda preta (Danny Glover) não chegam a mostrar a que vieram. É muita maldade dizer que até o cão das lágrimas não mostrou a que veio? O mesmo vale para o primeiro cego e sua esposa que são japoneses no filme. Não fazia sentido para mim quando era mostrado o casal discutindo o relacionamento, não parecia acrescentar nada. O que não fazia sentido também era o carinho da rapariga dos óculos escuros com o garotinho estrábico, o heroísmo da mulher do médico. De onde vinha tanta motivação?

Eu tive mais prazer depois que eles saíram do alojamento. A quarentena já estava cansando. Um dos meus momentos preferidos no livro é quando as mulheres tomam banho de chuva na varanda do apartamento do médico. Provavelmente, esta deve ser a única situação que deve ter ficado melhor no filme porque ela foi mudada de lugar e ficou muito mais bonita na rua com todos os cegos. Também gostei da recuperação da visão, eu quase tive a mesma sensação que tive no livro. Eu não tinha nenhuma esperança que eles fossem voltar a enxergar então quando acontece, senti como se fosse comigo. É um momento comovente no filme. Será que algum novato com a história vai se questionar sobre o que aquela cegueira representa? De onde veio? Por que uma pessoa não cegou? Assistindo só o filme, a resposta é não. Ele não estimula a reflexão.

Antes mesmo do início das filmagens, já cogitava-se uma possível indicação da Julianne Moore ao Oscar. A confiança dada a este projeto ambicioso permitia estas apostas. Mas duvido muito que ela seja indicada. É muito difícil também que o Meirelles receba por direção. Fotografia... talvez. É mais fácil direção de arte. As imagens de São Paulo refletindo a degradação humana chegam a impressionar. É interessante que o filme tenha sofrido protestos por parte de grupos de deficientes visuais. O Saramago realmente exagerou no nível de degradação. A humanidade, com certeza, iria continuar vivendo como se nada tivesse acontecido. O desespero dos cegos no livro é muito ilusório, é claro. Para a felicidade deles, o filme teve um desempenho pavoroso nos Estados Unidos. Pode-se afirmar categoricamente que ninguém foi ver Cegueira por lá. De acordo com o Box Office Mojo, o filme só ficou em cartaz duas semanas!! É muito triste que uma das produções mais grotescas do ano como Disaster Movie tenha sido mais vista do que Cegueira.

Neste exato momento, eu lembro que cheguei a acompanhar os primeiros posts do blog de Blindness. É uma pena que a riqueza dos textos do Meirelles não tenha tido efeito no trabalho final. É por isso que foi decepcionante. O seu idealismo nas fases de produção só foi enxergado por ele. E pelo Saramago. Independente do resultado, foi gratificante ver desde o primeiro cego perdendo a visão em seu carro até a mulher do médico olhando para o céu branco e achando que chegou a sua vez. Tenho certeza que irei gostar mais quando assistir uma segunda vez.

Nota: ***

domingo, 19 de outubro de 2008

Família que dribla

Eu não estou conseguindo agora colocar Linha de Passe numa ordem de preferência dos filmes do Walter Salles porque precisaria rever Abril Despedaçado e Diários de Motocicleta. Uma coisa é certa, Central do Brasil continua sendo meu preferido. Linha de Passe é um filme de ritmo lento pois o momento da cena é mais importante do que a narrativa da história. Isto pode explicar os sussuros de insatisfação das pessoas no fim da sessão por causa do seu final "sem final" como em Onde Os Fracos Não Têm Vez. É verdade que em Linha é como se o clímax fosse interrompido, a gente espera por algo que sabemos que vai acontecer mas os créditos finais sobem. Eu não tenho esta necessidade visual então achei o mais recente trabalho do Walter e sua amiga de longa data Daniela Thomas uma verdadeira jóia. É a trajetória de cinco personagens, uma mãe e seus quatro filhos, em busca de uma identidade. Uma curiosidade é que o Vinícius de Oliveira é o único dos cinco que já atuou em cinema antes. Sandra Corveloni, a mãe, foi a melhor atriz em Cannes. Acho que o júri a elegeu em virtude do seu personagem pois a sua atuação me pareceu um pouco limitada.

Para tratar de cinco pessoas com suas histórias distintas, é necessário um roteiro perfeitamente escrito que equilibre bem os dilemas de todos os personagens. Neste quesito, Linha é impecável. Bráulio Mantovani colaborou com o roteiro em sua finalização. O título Linha de Passe é referência a uma jogada do futebol e é pedir demais para que eu saiba do que se trata. Só sei que futebol é a paixão da Cleuza (Sandra) e do Dario (Vinícius). Inclusive, o esporte é a única carreira que ele se acha capaz de seguir. Dênis é um motoboy com tendências marginais, Dinho encontrou Jesus e Reginaldo, o caçula, está à procura do seu pai. A família agora está completa. Engano meu. Faltou o quinto filho que ainda está na barriga de Cleuza. Eu me identifiquei com todos eles, pude compreender suas vidas sofridas devido à falta de dinheiro e de uma identidade, como disse antes. É bacana como o filme não faz parecer que a falta de um pai abala a estrutura familiar. Mesmo quando a Cleuza pergunta se nenhum homem da casa é capaz de desentupir a pia da cozinha, ela não está reclamando da ausência de um marido. Quando o Dênis decide praticar furtos, não é por ser apenas uma forma de arrumar dinheiro fácil. É uma atitude ingênua de um ser humano à beira do desespero. A sua consciência da realidade ainda está presente. E se o roubo não dá certo, a sua complexidade vem à tona. Foi uma das minhas cenas preferidas quando ele meio que sequestra um carro e pede para o motorista levá-lo para longe. Neste momento, o Dênis não quer dinheiro. Já o Dinho foi buscar Jesus para atenuar sua realidade. Eu sempre questionei a sua fé, não por achar que fosse falsa mas por ele, inconscientemente, não saber o que ela representa. Um dos seus grandes momentos é quando comente um ato de violência sem necessidade. E quem disse que é possível condená-lo? O pequeno Reginaldo é uma espécie de pestinha. Algumas malcriações podem ter sido gratuitas mas não foi nada que atrapalhasse a nossa compreensão da obsessão do garoto em encontrar o pai. A história do Dario me causou menos impacto talvez por ele ser bem introvertido. Mas é comovente sua insistência em se tornar jogador após tantos fracassos. E mais uma vez como é possível condená-lo por falsificar sua data de nascimento?

Linha de Passe é um daqueles casos onde os atores do elenco se completam. Tem como destacar só um de Pequena Miss Sunshine? É claro que não. Em 2006, o prêmio de melhor atriz em Cannes foi para todo o elenco de Volver já que seria injusto premiar só uma. Pois em Linha também acho injusto só destacar a Sandra. O que importa mesmo é que Walter e Daniela entregaram mais uma vez um excelente trabalho de direção e fico com uma sensação de tarefa cumprida pois queria muito assistir Linha de Passe.

Nota: *****

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Sem medo do ridículo

A Meryl Streep disse numa entrevista que só aceitou fazer Mamma Mia! para deixar a filha (ou filhas, não lembro) envergonhada. Bem, não é só a filha que deve ter ficado. Não existe aquela expressão da síndrome da vergonha alheia quando você se envergonha por outra pessoa? Foi exatamente assim que eu me senti. O caso se complica para a Meryl quando Mamma Mia! já é o musical mais rentável da história. O lado bom é que o número de espectadores nem se compara ao de uma Noviça Rebelde, por exemplo. Mas posso entender o seu sucesso estrondoso. É divertido, o elenco não tem medo ser ridículo, as músicas do ABBA são contagiantes e dá vontade de assistir de novo. Sucesso garantido. Gostei mais do que Across The Universe porque é praticamente estável do começo ao fim. O filme baseado nas músicas dos Beatles despenca depois da metade. Mamma é tão irresistível que não tem como não se deixar levar. Ficou evidente que o elenco se divertiu o máximo durante os ensaios e as filmagens. Mamma é um musical pastelão e funciona por ser exatamente assim. É gostoso ver aquelas três atrizes que já passaram dos seus 50 anos esbanjando vitalidade.

Se você já ouviu falar do musical então deve saber que é a história de uma garota (Amanda Seyfried de Meninas Malvadas) que vai se casar e convida para o casamento os seus três possíveis pais (Colin Firth, Pierce Brosnan e Stellan Skarsgård) já que nem ela e nem a mãe (Meryl Streep) sabem quem é o felizardo. As principais músicas do ABBA estão presentes. Acho que não conhecia somente três delas. O número que mais gostei é o de Dancing Queen quando as duas amigas da Meryl (Julie Walters e Christine Baranski) começam cantando e vão arrastando todas as mulheres da região. Outros bem legais são o de Mamma Mia e Voulez-Vous. Lay All Your Love On Me juntamente com Mamma Mia são os dois que mais me deixaram com vergonha. O que são aqueles homens dançando com os pés de pato? Eu juro que me encolhi na poltrona para não correr o risco de alguém conhecido me ver. As belas paisagens gregas estão lá mas senti que poderiam ser melhor aproveitadas. A igrejinha no topo do morro com sua escadaria é linda. Imagino que os convidados deviam considerar bastante os noivos para subirem aquelas dezenas de degraus. A Meryl sobe correndo logo após o seu monólogo em The Winner Takes It All. Ela até que canta bem mas os meus ouvidos sofreram neste número específico. É sério, ela grita mesmo. A Julie Walters está ótima. Ela reclamou na época do Billy Elliot sobre um número de dança deste filme que exigia demais dela. Mal sabia o que iria fazer quase 10 anos depois. É curioso como alguns números são criados só como pretexto para usar uma certa música e eles nem fariam falta para a trama principal. Does Your Mother Know é um deles. Eu nem acho isto ruim, desde que não atrapalhe a evolução da história. E não lembro de nenhum número de Mamma que tenha atrapalhado. A cena na igreja possui as frases que mais gostei do filme. Uma é quando a Amanda fala para a Meryl que não se importa se a mãe já dormiu com mais de cem homens. Outra é uma que o Colin Firth diz mas não vou citar por ser um spoiler. Mamma pode parecer uma celebração do sagrado matrimônio mas felizmente não o encarei desta forma.

Eu tive uma surpresa boa no final em relação à solução do mistério da paternidade por não ser a resolução que eu esperava. E quem vai ficar com Meryl? É óbvio desde o começo. Mamma peca nos aspectos técnicos. A edição gera erros de continuidade nos números, a iluminação nas cenas de estúdio não é uma das melhores, a fotografia deixa os atores com umas cores estranhas em alguns momentos, etc. Mas isto tudo se perde quando você entra no clima do filme. Só eu percebo o Mamma se tornando um clássico com o passar dos anos? Xanadu que é o campeão dos bregas se tornou. Mamma Mia! merece minha generosidade.

Nota: *****