domingo, 20 de janeiro de 2008

Retrato da solidão

Alguém fala no documentário de 2005 da Madonna que a paz é muito mais do que a ausência de guerras. E eu diria que solidão é muito mais do que a falta de sociabilidade. Este é o tema do filme Medos Privados em Lugares Públicos do diretor francês Alain Resnais. Já ouvi muito sobre ele em 2007 no Cineview do Telecine porque ficou um bom tempo entre os dez mais vistos da semana. Mas só agora tive a chance de ver e foi o meu primeiro filme deste ano. Queria ter conferido Encantada e A Bússola de Ouro, o enorme fracasso da New Line Cinema em transformar a trilogia Fronteiras do Universo no novo O Senhor dos Anéis. Ambos já não estão mais em cartaz e por falta de oportunidade e motivos de viagem, tive que deixar passar. Mas a verdade é que não fazem falta e ter começado o ano com Medos Privados é indescritível. Aliás, ele entrou na lista dos melhores de 2007 da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro.

Medos Privados é um retrato melancólico sobre solidão envolvendo seis personagens que interagem entre si num bairro parisiense. Tem o casal em crise conjugal que procura um novo apartamento, a dupla de irmãos que buscam um relacionamento, o bartender de um hotel e a secretária religiosa de uma imobiliária que esconde um segredo. Há uma cena no começo de um bar vazio de hotal que reflete bem a temática do filme. O que vem em seguida são situações do cotidiano urbano de pessoas que "sofrem" de solidão. Sofrer não é a palavra adequada porque os personagens não estão, de fato, sofrendo e nem vivem chorando por aí. É, no máximo, uma situação que eles tentam amenizar. As inúmeras tentativas mal sucedidas de revertê-la os fazem refletir se há realmente um obstáculo a ser vencido. Um deles resume perfeitamente quando diz que a vida não passa de uma jornada solitária. Ninguém ali é anti-social. Alguém pode discordar e dizer que eles sofrem já que não vivem assim por opção e sim por uma imposição da vida. Eu acho que a diferença está no fato de você considerar isto um problema ou não. E o final do filme deixou claro que os seis personagens sabem que o destino de cada um é este. É um caminho triste, saí da sessão um pouco abalado por causa disso. Mas se todos arrumassem um par romântico, o filme não valeria de nada. Medos Privados não é para ter nenhum fabuloso destino como o de Amelie Poulain.

Você não tende a gostar mais de um filme quando se identifica com ele? Sem querer deixar o texto muito pessoal, eu sei que não sou a pessoa mais sociável que existe então pude me ver na pele daqueles seis personagens. Cada um deles carrega algo meu. Mas não foi só por isso que gostei. Mesmo que o filme não tenha nada a ver com você, não tem como deixar de se cativar por algumas das cenas cômicas ou se comover em outras. Por exemplo, achei comovente a personagem Gaëlle que sai todas as noites e senta num restaurante esperando por alguém que nunca vai chegar. Todos os seis atores principais (coloquei os nomes deles na lista de marcadores) fizeram um excelente trabalho, foi como se o diretor nunca precisasse dizer o que deveriam fazer. Para reforçar o objetivo do filme e envolver mais o público, a equipe de fotografia moderou no uso das cores deixando os ambientes mais monocromáticos. Aquela trilha sonora no piano é de uma objetividade incrível. Ainda tem a neve usada constantemente como alguma simbologia e até de forma alegórica para a solidão. Imagino que tenha sido por alguma razão bem pessoal do Resnais.

Acho que só assisti três filmes franceses em 2007. O desenho As Bicicletas de Belleville, Caché do Michael Haneke e Amelie Poulain que estava na lista há muito tempo. Três estilos diferentes e todos memoráveis. Nem estou contando um em língua inglesa dirigido pelo François Truffaut. Gostei muito de Medos Privados. O Escafandro e a Borboleta acabou de ganhar o Globo de Ouro de Filme Estrangeiro. Não é uma produção 100% francesa mas é falada na língua. Então é mais um para aguardar.

Nota: ****

Nenhum comentário: