sábado, 26 de julho de 2008

Todo herói tem sua crise existencial

Um colega me perguntou se eu iria assistir Hancock e respondi que não porque só aguento o Will Smith uma vez por ano. E a cota dele se esgotou lá em janeiro com Eu Sou A Lenda. Já o Christian Bale é outra história e ele faz parte da minha lista de atores e atrizes que me fazem ver um filme só por causa da sua presença. Naturalmente esta não foi a única razão para ter assistido o novo Batman, inclusive foi a menor delas. Hancock foi feito para reinventar o gênero mas os primeiros roteiros possuiam cenas tão apelativas que até foram cortadas depois. Mesmo assim, eu ainda posso viver sem a história do herói bêbado. O Cavaleiro das Trevas mostrou que não é necessário seguir um rumo diferente para fazer um filme excelente de super-herói. Eu achei ótimo de verdade mas não é a obra-prima que achei que fosse.

O diretor Christopher Nolan ressucitou o herói em Batman Begins de forma brilhante após as duas palhaçadas feitas pelo Joel Schumacher. Só estou repetindo o que dizem por aí sobre as versões do Joel já que não assisti nenhuma. O que mais gosto no Begins é ironicamente o início, tudo o que leva o Bruce a se tornar o homem-morcego, deve ser os 60% iniciais do filme. O resto é só o Batman combatendo o crime daquela trama. Pois o estilo apresentado neste resto de Begins foi intensificado e amadurecido para ser tornar a sequência. Foi como se aqueles 60% não estivessem presentes no Cavaleiro. Eu achei que poderia analisar o novo Batman como um filme que transcende o gênero dos super-heróis mas me enganei. O Cavaleiro das Trevas não deixa de ser um filme de super-herói. O seu diferencial é por não ser apenas uma exibição de efeitos especiais, não subestimar a inteligência do espectador e ter o Coringa, o melhor vilão que deve existir - pelo menos para mim que não conheço nada de quadrinhos.

Gotham City está tomada pelos mafiosos que são combatidos não somente pelo verdadeiro Batman mas também por uma legião de seguidores do Morcego que se fantasiam como o seu ídolo. O Coringa, um ladrão de bancos a princípio, faz uma parceria com os mafiosos para juntos matarem o Batman. Só que o Coringa joga sozinho, ele é uma espécie de personificação do caos. Enquanto o Homem-Aranha só questionou sua existência no terceiro filme (ou foi no segundo que ele já se cansou?), o Batman do Nolan passa pela mesma situação de crise existencial no segundo. Ele se sente responsável pelas mortes de inocentes e abandona o uniforme. Mas por pouco tempo, é óbvio. Gotham também tem um novo promotor público e os fiéis companheiros do Batman continuam na sequência. Acho que não existe um filme deste gênero com um elenco tão ótimo como os dois Batman do Nolan. Morgan Freeman e Michael Caine repetem seus papéis e adoro a importância deles para a vida do Bruce Wayne. O policial do Gary Oldman também. Katie Holmes não pôde participar deste (felizmente), Maggie Gyllenhaal assume o seu lugar de Rachel, a paixão de infância do Bruce. Dentre todos os personagens, Rachel é a menos explorada e parece um pouco perdida dentro da história. O Aaron Eckhart é o novo promotor e gostei da visão que tiveram para não deixá-lo para o próximo filme. Tem que assistir para entender o porquê.

Heath Ledger é o que há de melhor! É extraordinário pensar que o sucesso financeiro do filme foi por causa dele. A recepção da crítica teria sido a mesma se o ator ainda estivesse vivo mas a euforia do público não. Na fila quilométrica que enfrentei, as pessoas só falavam do ator que já morreu. Ele era a maior razão para eu ver este filme (não por causa da morte) e depois por ser a terceira parceria entre o Christopher Nolan e Christian Bale. Eu lembro que a primeira vez que vi o trailer de Cavaleiro foi num cinema e aquela imagem da cabeça do Heath maquiada em close me deu um aperto no coração de susto. Foi aí que começou a minha expectativa. Este Coringa é uma mistura de loucura e sanidade incrível. Em certos momentos a maquiagem está tão pesada que ele consegue atuar só com o olhar. A voz e a postura não lembram nada o ator. Este tipo de vilão é tão mais interessante do que os outros concorrentes. Também gostei do Lex Luthor do Kevin Spacey. A cena do Coringa saindo do hospital já é antológica. Outra decisão sábia foi não ter explicado a origem dele. Acho que tiraria o espaço das ótimas cenas presentes.

O título original do filme é apenas O Cavaleiro das Trevas, não contém a palavra "Batman" como no título nacional. É como se o público brasileiro precisasse de ajuda para saber que se trata de um filme do Batman. E também não entendi porque deixaram o título do anterior sem tradução quando poderiam ter colocado Batman - O Início.

O filme é muito bem executado, a direção do Christopher é segura mas tem uma cena do Batman, sua moto e uma parede que provocou risos pelo motivo errado. Não chega a ser constrangedora mas é engraçada. Aliás, filme de herói rico parece ser mais divertido. Não acho que o Peter Parker seja mais humano do que o Bruce Wayne só porque tem que trabalhar.

Nota: *****

sábado, 12 de julho de 2008

Fim do Shayamalan?

Fui contra a maré e aprovei o mais recente Shayamalan. A sacada é encará-lo como uma divertida sátira aos filmes de catástrofe que tentam analisar profundamente seus personagens mas sem êxito. As atuações em Fim dos Tempos são medíocres, os dialógos toscos e alguns acontecimentos absurdos. Não acredito como muita gente levou isto a sério e odiou o filme. Apesar de tudo, o Shayamalan não faria algo tão ruim sem deixá-lo aberto a outras interpretações. Não vou opinar sobre A Dama na Água porque não vi. É como assistir A Vila e querer que ele seja um terror, não vai funcionar. Esperar que Fim dos Tempos tenha um final surpreendente é a mesma coisa. O barato é se divertir com as caras ridículas do Mark Wahlberg. Por favor, ele é um excelente ator. Nem o pior diretor do mundo seria capaz de dirigi-lo tão mal. O que gosto no M. Night, além de ser um diretor autoral, é que depois de O Sexto Sentido, todos os seus filmes foram encarados como um evento independente de você gostar dele ou não. Quem não gosta vai lá ver só para falar mal. Ele consegue ser assunto. O roteiro foi escrito durante o auge do documentário do Al Gore logo este é o mais ecológico e fica fácil de adivinhar quem é o vilão da história. As pessoas de uma cidade começam a agir de forma estranha até que cometem suicídio. Suspeita-se que um ataque químico esteja acontecendo. É hora de abandonar a cidade! O Mark Wahlberg é um professor que foge com a esposa e um amigo também professor com sua filha. O casamento não vai nada bem. Já percebeu que vai rolar discussões sobre o relacionamento nos momentos mais inapropriados. Adorei uma parte em que eles encontram do nada um rádio pendurado numa cerca de uma fazenda durante a fulga e usam para saber das notícias sobre o ataque. Totalmente sem noção. O elenco de apoio de civis também em fulga é um show a parte. Nem dá para decidir quem faz a melhor expressão de medo. Há um diálogo impagável do Mark com a esposa em que ele começa a contar sobre uma moça que deu bola para ele, história para fazer ciúmes. O texto é tão ridículo e inacreditável que só me resta pensar que tudo no filme é ruim intencionalmente. E nem é preciso dizer que eles irão redescobrir o amor no momento de maior perigo. Não é o que acontece sempre? O suspense característico do Shayamalan está lá mas desta vez parece que ele está parodiando a si próprio o que se encaixa naturalmente. Uma coisa é certa, assim como A Vila, Fim dos Tempos não é vendido da forma que ele deve ser visto.

Nota: ****

terça-feira, 8 de julho de 2008

Cuidado com o que você come

Estômago é a estréia em longas de ficção do diretor Marcos Jorge e o rapaz já veio chamando a atenção já que o filme foi o grande vencedor do Festival do Rio de 2007. Pude assisti-lo há uma semana atrás quase sem querer numa sessão tripla com Chega de Saudade e Shine A Light. Mal sabia o que estava perdendo. Estômago deve ser a maior surpresa do cinema nacional. Não é nenhuma obra-prima mas já começa valendo por fugir dos temas abordados constantemente. Ele não se passa em favela, não tem casais da classe média carioca discutindo o casamento e não faz humor de apelo sexual ambientado no interior nordestino.

Um rapaz do interior abandona sua terra para tentar a vida na cidade grande. Logo ele descobre seu talento para a culinária, se apaixona por uma prostituta e acaba na prisão. Achei Estômago bastante original. Seu começo é um longo monólogo sobre o queijo gorgonzola. Hã? E as muitas situações bem humoradas envolvendo comida? Todas funcionam (ou quase todas). São principalmente estas situações que carregam o filme. E ele é dividido em duas linhas narrativas que são contadas paralelamente. Sua chegada à cidade grande e à prisão são mostradas mais ou menos ao mesmo tempo. Enquanto vemos sua vida atrás das grades, a outra sequência vai narrando os fatos que o levaram a ser preso. Mas ambas são unidas por pontos comuns descritos pelas transformações sofridas pelo protagonista de um ser vulnerável em um novo ambiente para alguém capaz de realizar uma ação que ninguém esperava que ele fosse capaz. Seu nome é Raimundo Nonato, interpretado pelo ator João Miguel que eu ainda não conhecia mas já tem uma ótima filmografia. Talvez por eu não conhecê-lo, achei algumas de suas cenas tão naturais que pensei que ele não estivesse atuando. Fazia umas expressões faciais que pareciam deixá-lo envergonhado. Engano meu. Foi tudo intencional e estava fazendo o personagem. Sem falar que o João Miguel já foi bastante premiado.

Estômago diverte mesmo, além de ousar e esbanjar criatividade. Há uma cena em que a iluminação é tão artística. A atriz que faz a prostituta entra nua numa cozinha sem iluminação, se dirige à geladeira e abre sua porta o que faz com que a luz do aparelho revele o seu corpo. O relacionamento dela com o Raimundo é uma mistura de sinceridade com amargura. Você torce por eles mas o destino dos dois é incerto. E para não fugir da proposta do filme, eles começam o relacionamento porque ela se encanta com a coxinha dele. E o macarrão nem se fala.

Nota: *****

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Onde está Wall-E?

O que resulta recesso escolar mais animação da Pixar – dublada? Uma fila gigantesca formada por famílias inteiras e muita gente sem poder entrar porque a lotação máxima foi atingida. Fui um dos últimos a conseguir entrar na minha sessão e, é lógico, peguei um dos piores lugares. O melhor de tudo é que Wall-E compensou todo o sacrifício. É sério, já estou achando que é a minha animação preferida do estúdio batendo até Procurando Nemo que eu adoro. Gostei muito de Ratatouille no ano passado e ainda preciso rever porque eu estava com a cabeça longe naquele dia. Wall-E não é tão divertido quanto Nemo mas possui elementos que o torna mais marcante e por que não um dos melhores filmes do ano? E este é infinitamente superior ao Robôs da Fox de 2005.

Desta a vez a Pixar avança 700 anos e cria uma realidade em que a humanidade não vive mais na Terra e os robôs são os únicos trabalhadores. O nível de poluição e lixo atinge um nível tão absurdo que é impossível morar no planeta. A população restante vai viver numa nave gigante – de fazer inveja àquela do clássico do Kubrick e naturalmente Also Sprach Zarathustra é tocada em algum momento – que vagará pelo espaço enquanto robôs são deixados na Terra para fazer a limpeza. Nem eles dão conta do trabalho e Wall-E é o único robô “sobrevivente”, tão solitário. Vive colecionando objetos abandonados pelos humanos. Will Smith em Eu Sou A Lenda não está com nada. Enquanto este tinha um cão como companheiro, o robô tinha uma barata. Perfeito, não? Certo dia, um outro robô chamado de Eva é deixado no planeta por uma espécie de nave que, por enquanto, a gente não sabe o que é. Wall-E se apaixonará por ela. Um detalhe é que Eva foi desenhada pelo maior designer da Apple, grande parceira da Pixar. Não é gratuita a aparição de um iPod no filme. Eu gostei de como os sentimentos dados aos robôs não ficaram forçados principalmente por eles se distanciarem da forma física humana. É como criarmos uma relação afetiva com um quadrado. É claro que o quadrado possui algo com função de olhos, por exemplo, mas não passa disto. Está mais relacionado ao seu comportamento. Eu me diverti muito com o robozinho da limpeza.

A gente percebe a grandeza do filme quando os humanos entram em cena. Imagine gerações e gerações que só nascem para comer e dormir. É uma ótima sátira ao avanço tecnológico e ao comodismo exagerado. Infelizmente são duas coisas diretamente proporcionais e querer separá-las não parece estar nos nossos planos.

Eu sou bem pessimista em relação à preservação do meio-ambiente. Eu imagino um futuro cheio de calamidades onde as condições de vida vão se tornando cada vez mais escassas. Mas será que é mais fácil criar um novo ambiente fora da Terra do que reverter o mal já existente? O filme impulsiona estas discussões. Quantas verdades inconvenientes são necessárias para salvar o planeta? Espero mesmo que o público infantil que vá ver Wall-E tenha sua consciência ecológica despertada.

A direção dele ficou com o Andrew Stanton, o mesmo de Procurando Nemo e elogiar o trabalho dos animadores é chover no molhado.

Nota: *****

terça-feira, 1 de julho de 2008

Vivendo para dançar

Ainda não vi Bicho de Sete Cabeças, o primeiro longa-metragem da diretora Laís Bodanzky que recebeu dezenas de prêmios. O seu segundo longa Chega de Saudade me chamou logo a atenção há alguns meses por lembrar O Baile do italiano Ettore Scola, filme que eu tinha visto há pouco tempo e achado bastante curioso. A diferença é que o filme da Laís tem o salão de baile como pano de fundo para o desfile dos seus personagens: pessoas da terceira idade, cada uma com sua história que será explorada nos 90 minutos do filme. Há casais passando por problemas conjugais, solteiras procurando um relacionamento, ciúmes e traições mas tudo se resume ao simples ato de viver.

A produção acontece toda dentro de um salão desde a chegada do público enquanto o sol ainda brilha até o seu final tarde da noite. A música rola solta ao som de muito samba, bolero, forró e Elza Soares em carne e osso. Eu gostei bastante da agilidade inicial do roteiro de Luiz Bolognesi (marido da Laís) ao apresentar os personagens e seus principais traços. Mas a partir de um certo ponto, ele se torna repetitivo e pára de avançar. E o final do baile veio de forma brusca. Já a direção da Laís é uma aula. É maravilhoso como a câmara dança junto com aquelas pessoas no salão. Ela faz um passeio sempre destacando o que enche os olhos do espectador. Direção e roteiro foram, inclusive, os dois prêmios que Chega de Saudade levou no último Festival de Brasília.

Nota: ****