terça-feira, 11 de março de 2008

A pipa do vovô não sobe mais

A adaptação de O Caçador de Pipas deve ser a maior de um best-seller depois de O Código Da Vinci. A diferença é que o Caçador não poderia gerar um blockbuster. E isto explica a passagem discreta dele pelos cinemas. Algumas pessoas que conheço amaram o livro, outras nem tanto. Fui para o filme conhecendo o básico: dois garotos e amigos afegãos vivem felizes em Cabul nos anos 70, algo irá romper a amizade, um deles foge para os EUA com o pai, etc. É uma pena dizer que odiei quase tudo neste filme e nem é por ele ter sido o responsável por eu ter perdido a liderança num bolão do Oscar. E fui com tanta boa vontade assisti-lo! Deve ser difícil fazer uma amizade honesta entre duas crianças sem adicionar pieguices. Para mim ficou bonitinho demais. Lembrei agora daquele A Cura com o Brad Renfro que está descansando em paz. Ou não. Prefiro a amizade destes dois de A Cura do que a do Amir e Hassan no Caçador. Por enquanto, esta é a parte feliz da história. O lado delicado vem com um bully (valentão) que atormenta o Hassan por ele ser um hazara. Não tem toda aquela segregação étnica mostrada em Hotel Ruanda? Aqui é parecido, só que sem as guerras civis. A discriminação só ficava nas palavras (pelo menos é o que está no filme).

Mesmo com campeonatos de pipas, idas ao cinema e declarações quase amorosas (juro que não estou sendo maldoso porque se eu acredito na pureza da amizade dos hobbits da Terra-Média, não tenho motivo para fazer piadinhas com os afegãos) de um garoto para o outro, um mal estar vai destruindo a relação deles. Até agora eu não consegui entender a razão que levou ao rompimento. E não fui só eu! Pude ouvir as conversas de pessoas que perguntavam ao vizinho por que os garotos agiam daquela forma. Às vezes, eu nem sabia quem era o Amir e o Hassan, quem era o filho de quem. O Amir ficou decepcionado porque o colega preferiu ser fiel e acabou sendo estuprado? E por que o próprio Amir não interveio e impediu os valentões? Não dá para negar que é arrasador quando vemos o Hassan assumindo o roubo do relógio que ele não cometeu mas eu não conseguia acompanhar tais atitudes. Pode ser lerdeza minha. Parece que o roteiro não quer perder tempo moldando o caráter dos personagens.

Há duas cenas que considero marcantes durante a infância deles. A primeira é o estupro do Hassan que eu não fiquei chocado, só aquele sangue pingando na neve enquanto o garoto caminhava é que me causou um pequeno impacto. O curioso que não foi por pena dele e nem por raiva do bully. Como posso sentir raiva de um personagem mal construído que já entra em cena implicando? A outra cena marcante é quando o Amir fica jogando os tomates no Hassan pedindo para ele reagir e tudo o que este consegue fazer é esfregar um tomate na própria cara. Foi o momento mais sensível de todo o filme e o único que considero verdadeiro. O problema é justamente querer ser sensível demais. Parece que quer forçar o público a se comover. Em algumas cenas eu imaginava um letreiro gigante sobreposto piscando "CHOREM! CHOREM!". É claro que não estou menosprezando os horrores pelos quais estas crianças passaram. Só acho que para transformar isto num filme não precisa de exageros melodramáticos. Pois bem. Após humilhações e traições, os garotos perdem o contato. E com a ocupação soviética, Amir e o pai são obrigados a fugir do Afeganistão e vão para a América.

Começa a vida adulta do Amir (que é um dos terroristas do EXCELENTE Vôo United 93). Não tem muito o que falar sobre esta parte. Ele termina uma faculdade, se casa com a filha de uma família de afegãos que também vive na Califórnia e se torna escritor. Não dá para deixar de notar as tradições de repressão contra a pobre moça. Era só um aperitivo do que estaria por vir quando Amir volta a sua terra natal. Achei bem desnecessária a cena em que o pai dele sai do consultório porque o médico é russo. Eu só ri porque fui influenciado pelos outros. A pior parte vem a seguir quando Amir recebe um telefonema que o faz voltar ao Afeganistão em 2000.

O regime talibã está tomando conta do país. Então, a princípio, Amir vai ao Paquistão. É só colocar uma barba e um turbante que os talibaneses permitem a entrada no Afeganistão. O motivo da viagem de Amir logo ganha um novo sentido quando um segredo é revelado, digno de qualquer novela mexicana. Imagine quando Guadalupe conta ao seu filho Pedro Daniel que Jorge Luiz não é o seu verdadeiro pai. Amir é obrigado a repensar em tudo de mal que causou ao amigo de infância. A mensagem moralista da história é que nunca é tarde para se redimir. Somos obrigados a aturar isto por longos minutos enquanto vemos Amir em várias situações que o fará “corrigir” os erros do passado. As cenas de agressões físicas, perseguições e tiroteios não se encaixam na proposta do filme. Agora o pior momento de todos é a cena do apedrejamento da mulher adúltera para mostrar os horrores do regime talibã. Por que ela está lá se todos já conhecem os absurdos pregados por estes radicais extremistas? Se o filme não vai condenar, ela nem precisa estar lá. Também não está defendendo as práticas. Acredito que ser neutro é motivo de orgulho para o regime fundamentalista.

Nem vou mencionar o elenco do filme, olha o nome de um dos atores: Sayed Jafar Masihullah Gharibzada. Mas vou colocar os principais nos marcadores como sempre. A adaptação foi dirigida pelo Marc Forster de A Última Ceia e Em Busca da Terra do Nunca. Ainda não vi ambos. Eu tenho um certo fascínio pela região desértica do Oriente-Médio e com a ótima trilha sonora do filme dá para apreciar alguma coisa que não teria como somente lendo o livro.

Nota: ***

2 comentários:

Beatriz Noele disse...

"E por que o próprio Amir não interveio e impediu os valentões?"
Foi justamente por isso que a relação esfriou. Amir não conseguiria viver ao lado de Hassan todos os dias, com esse peso na consciência pra sempre. Por isso, quis que ele fosse embora.

Bom, se você não gostou do filme, leia o livro.
O livro é infinitamente melhor. Eu saí desse filme com muita raiva, porque nem se compara. Não é que nem Harry Potter, que o livro é sempre melhor, mas o filme também surpreende. Neste caso, o filme foi mal feito mesmo, no meu ver.

Anônimo disse...

odeio o livro e o filme mais ainda

Lu